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O Estudo e Pesquisa em DOF na UFMG - por Dra. Camila Megale

Sou professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desde 2009, lotada no Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e desenvolvo projetos de pesquisa em Disfunção Temporomandibular e Dor Orofacial (DTM / DOF). Desde a época em que estava no doutorado, interessei-me pela Neuralgia Trigeminal (NT). Num primeiro momento, meu foco foi o estudo em animais através de modelo experimental de dor neuropática orofacial em ratos. Nos últimos anos, tenho coordenado projetos de pesquisa em humanos com o objetivo de tentar associar fatores genéticos à NT.

A NT é uma dor neuropática unilateral, de alta intensidade e do tipo choque elétrico, com curta duração e início e término abruptos em uma ou mais divisões do nervo trigêmeo. A crise dolorosa pode ser desencadeada por estímulos inócuos como falar ou tocar áreas específicas da face, cabeça ou cavidade bucal (fenômeno denominado alodínia). A NT acomete 4,5 pessoas a cada 100 mil habitantes e 55% a 70% dos pacientes são do sexo feminino, com maior incidência entre 60 e 70 anos de idade.

Apesar do conflito neurovascular, definido como a compressão da raiz do nervo trigêmeo por um vaso da base do crânio, ser considerado um fator etiológico importante na NT, ele pode estar presente em pacientes sem a doença, assim como pode não existir em pacientes com NT. Além disso, os mecanismos etiopatogênicos subjacentes ao desenvolvimento da NT não estão totalmente esclarecidos e diversos fatores e mecanismos fisiopatológicos, tais como sensibilização periférica e central, alterações nas vias de modulação descendente da dor e neuroplasticidade contribuem para o estabelecimento e a manutenção da dor na NT.

A genética têm sido uma das áreas de grande interesse no estudo da dor nos últimos anos. Diversas evidências sugerem que fatores genéticos desempenham papéis relevantes em várias condições dolorosas e a hereditariedade tem sido relatada como relevante na gênese de 15 a 50% dos casos de dor crônica em geral. Estudos genéticos podem embasar alguns aspectos clínicos relevantes como a variabilidade individual, observada tanto no limiar de dor quanto na susceptibilidade à dor crônica, e as respostas a diversas drogas analgésicas. Os estudos de genética e dor frequentemente avaliam a presença dos polimorfismos genéticos de nucleotídeo único (ou single nucleotide polymorphism - SNP), caracterizados pela troca de um único nucleotídeo (adenina, timina, citosina ou guanina) em uma determinada região de um gene.

A NT não tem sido alvo de tantas investigações científicas no campo da genética quanto as Disfunções Temporomandibulares e as Cefaleias. Dessa forma, os componentes genéticos relacionados à NT ainda são desconhecidos. Nesse contexto, desde 2015, temos desenvolvido projetos de pesquisa que objetivam identificar, em pacientes com NT, a presença de SNP em genes de moléculas relevantes na sinalização da dor, associando-os à doença e aos níveis de dor apresentados pelos pacientes. Esses projetos têm sido desenvolvidos por alunos de mestrado e doutorado vinculados ao Programa de Pós-graduação em Patologia da Faculdade de Medicina da UFMG, ao qual estou credenciada como orientadora.

A aluna Grazielle Mara F. Costa avaliou, durante seu doutorado, a presença de quatro polimorfismos genéticos em pacientes com NT. A pesquisa foi realizada sob minha orientação e co-orientação da Profa. Paula R. Moreira (Departamento de Morfologia / ICB / UFMG) e contou com a colaboração da Profa. Silvia Regina D. Tesseroli de Siqueira (Hospital das Clínicas / Universidade de São Paulo). Foram avaliados polimorfismos nos genes codificadores dos canais de sódio Nav 1.6 e Nav 1.7, do receptor tirosina quinase do tipo A (TrkA) do fator de crescimento nervoso (nerve growth factor - NGF) e do fator neurotrófico derivado do cérebro (brain-derived neurotrophic factor - BDNF). Os canais de sódio estão presentes nas membranas dos neurônios e desempenham um importante papel na propagação de potenciais de ação. A carbamazepina, droga de primeira escolha no tratamanto da NT, é bloqueadora de canais de sódio, demonstrando a relevância desses canais no contexto da doença. Já os fatores neurotróficos como o NGF, que exerce sua atividade através da ligação ao receptor TrkA, e o BDNF são proteínas que regulam o crescimento, a manutenção e a apoptose em neurônios e, além de realizarem funções fisiológicas, têm papeis fundamentais nos complexos mecanismos de sensibilização periférica e central. Por esses motivos, polimorfismos em genes codificadores dessas moléculas são alvo de nossos estudos. Em nossa amostra, não evidenciamos associação entre a presença dos polimorfismos genéticos do canal Nav 1.7 e do receptor TrkA do NGF com a presença da NT ou intensidade da dor. Esses achados foram relatados no artigo intitulado “No Association of Polymorphisms in Nav 1.7 or Nerve Growth Factor Receptor Genes with Trigeminal Neuralgia”, publicado na revista Pain Medicine ano passado. Apesar disso, nossos dados contribuem para o conhecimento sobre a suscetibilidade genética à NT, sobretudo em função da escassez de trabalhos nessa área.

Dando continuidade ao trabalho e contando com as parcerias já mencionadas, o aluno de mestrado João Gabriel A. J. Romero investiga atualmente a presença de polimorfismos nos genes de duas moléculas importantes na produção e na degradação de neurotransmissores relevantes nas vias de dor: a catecol-o-metil transferase (COMT) e a GTP ciclohidrolase 1. A COMT é uma enzima que degrada as catecolaminas (dopamina, epinefrina e norepinefrina) e a diminuição de sua atividade pode potencializar a sinalização da dor. Diversos polimorfismos no gene da COMT foram associados ao aumento da sensibilidade à dor e ao desenvolvimento de condições dolorosas. A GTP ciclohidrolase 1, por sua vez, é uma enzima importante na produção da molécula tetrahidrobiopterina (BH4), envolvida na produção dos neurotransmissores dopamina e serotonina. Como exposto, temos estudado o envolvimento de moléculas relevantes na sinalização de dor nocontextodaNT. Aexpectativa é que estudos genéticos em condições dolorosas possam fundamentar biologicamente as diferenças individuais encontradas na clínica e permitir o entendimento de novos mecanismos de dor, abrindo possibilidades para o desenvolvimentodenovosalvos terapêuticos e formas de tratamento. Ainda, vislumbra-se identificar a susceptibilidade genética para determinada condição, permitindo que a tomada de decisão clínica possa evoluir para um tratamento personalizado.

Além do interesse em genética e NT, tenho desenvolvido outros projetos de pesquisa em DTM / DOF. Um deles teve como foco as DTM articulares e objetivou avaliar a eficácia da injeção de Hialuronito de Sódio no tratamento dos sinais e sintomas nessas condições. Esse projeto contou com a colaboração do Prof. Eduardo Januzzi (Faculdade de Tecnologia de Sete Lagoas / FACSETE / MG), Prof. Eduardo Grossmann (Instituto de Ciências Básicas da Saúde / Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Prof. Luciano A. Ferreira (Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde de Juiz de Fora / MG) e Prof. Pedro Oliveira (Universidade Anhembi Morumbi / SP) e foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (CNPq). Atualmente, estou coordenando um projeto em DTM muscular que objetiva avaliar a eficácia da Acupuntura na dor, função mandibular e qualidade de vida em pacientes com Dor Miofascial Nastigatória, desenvolvido pelo aluno de mestrado Franklin T. Salles-Neto, em parceria com a Profa. Janice Simpson de Paula (Faculdade de Odontologia / UFMG).

Em suma, o grupo de pesquisa coordenado por mim, o EPDOF - Estudo e Pesquisa em Dor Orofacial / UFMG, tem desenvolvido diversos projetos de pesquisa na linha de investigação "Dor, Dor Orofacial e Disfunção Temporomandibular: pesquisa clínica em tratamento e fatores predisponentes", visando contribuir para o conhecimento científico atual na área de DTM / DOF. Há muito caminho pela frente, mas o prazer em estudar e investigar nesta área tão fascinante é a minha maior motivação! Por fim, convido vocês a conhecer e curtir a página do EPDOF / UFMG no Facebook e Instagram (@epdofufmg), onde divulgamos nossas pesquisas e resenhas de artigos recentes de diversos temas em DTM/DOF.

Um grande abraço!

Referências:

1- Ibrahim, S. Trigeminal neuralgia: diagnostic criteria, clinical aspects and treatment outcomes. A retrospective study. Gerodontology, v.31, n.2, Jun, p.89-94. 2014.

2- Zorina-Lichtenwalter K, Meloto CB, Khoury S, Diatchenko L. Genetic predictors of human chronic pain conditions. Neuroscience. 2016 Dec 3;338:36-62.

3- Costa GMF, Rocha LPC, Siqueira SRDT, Moreira PR, Almeida-Leite CM. No Association of Polymorphisms in Nav1.7 or Nerve Growth Factor Receptor Genes with Trigeminal Neuralgia. Pain Med. 2018 Oct 10.

4- Fonseca RMDFB, Januzzi E, Ferreira LA, Grossmann E, Carvalho ACP, de Oliveira PG, Vieira ÉLM, Teixeira AL, Almeida-Leite CM. Effectiveness of Sequential Viscosupplementation in Temporomandibular Joint Internal Derange- ments and Symptomatology: A Case Series. Pain Res Manag. 2018 Jul 31;2018:5392538.
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